Dezesseis anos atrás o programa Linha Direta exibiu o caso de um homem do Rio de Janeiro que descobriu que a sua esposa estava tendo um relacionamento extraconjugal. Ozeas Santos Mendonça amava Lígia Helena acima de tudo, mas a encontrou com outro homem. E se viu diante de um sofrido dilema: aceitava as explicações da mulher, ou terminava a relação?
A escolha de Ozeas não determinou o seu destino. Porque o amante de Lígia, o oficial da Marinha Francisco Wagner, seguiu para a casa dela e o assassinou. O crime ocorreu em 2006, sendo exibido um ano depois. Francisco fugiu após o crime, e nunca mais foi encontrado.
Até que em 2019, um cartório de Fortaleza emitiu uma certidão de óbito. O documento dizia que Francisco Wagner Franca de Alcântara teria morrido em 21 de dezembro daquele ano. A causa da morte: infarto agudo do miocárdio, ocorrido no Hospital Filantrópico de Fortaleza.
Aí começam as dúvidas. A primeira delas: Francisco Wagner nunca esteve internado no centro médico. “Nos causou muita estranheza o nome do hospital no documento apresentado por dois motivos: primeiro porque este paciente nunca esteve internado, nunca deu entrada no hospital, e também o médico que consta aí, que assina o documento, nunca trabalhou lá no hospital”, disse Glauco Mota Filho, advogado do hospital.
O médico citado na certidão de óbito é Márcio Dias da Costa. E ele também se diz vítima de Francisco. Em nota enviada ao Fantástico, Márcio disse que além de nunca ter trabalhado no local, estava de plantão em outro hospital na data e hora que o óbito teria acontecido.
A certidão de óbito diz, ainda, que o sepultamento de Francisco Wagner aconteceu no Cemitério de Canindé. A reportagem, então, foi aos dois cemitérios do município – um público, e outro privado. Nenhum dos dois possuía registro de um sepultamento em nome de Francisco Wagner.
No mesmo ano em que fugiu, Francisco iniciou uma nova vida com outra identidade: Odilon Wagner Vlasak Filho. Ele foi registrado em um cartório de Ubajara, no interior do Ceará. A coincidência: é o mesmo local onde Francisco foi registrado, com ano de nascimento idêntico – 1980.
Com o documento, ‘Odilon’ conseguiu emitir um RG pela Secretaria de Segurança Pública do estado. E a partir dele, tirou todos os documentos possíveis – inclusive certificado de detetive profissional, registro de colecionador de armas, atirador e caçador, e porte de fuzil. E mudou de estado: foi viver em Foz do Iguaçu (PR), onde abriu uma loja de serviços financeiros.
A adaptação de Odilon com a nova vida foi mais longe ainda: ele se casou e teve uma filha. Trabalhou como segurança armado. E tudo seguia normalmente, até que a polícia do Rio de Janeiro avançou com a investigação, entrando em uma esfera interestadual. E cruzando os dados de Francisco com os de Odilon, eles verificaram que a biometria dos dois era exatamente igual.
Confrontado pela polícia, Odilon foi preso em Foz do Iguaçu e, posteriormente, transferido para o Rio de Janeiro, onde responderá pelo homicídio de 2006 e por falsidade ideológica. E lá, a família do garçom Ozeas, morto pelo então Francisco Wagner recebeu a notícia. "Achava que a justiça não foi feita pelo meu irmão, né? E era tudo que a gente sempre desejou, sempre pediu a Deus, que a justiça fosse feita", disse a irmã dele.