Com o Carnaval chegando, sempre é interessante lembrar da sua origem. Tradicional marco do calendário festivo brasileiro, o Carnaval começou na Antiguidade, mas essa denominação, proveniente do latim carne levare, que significa abstenção da carne, surgiu na Idade Média para indicar a “despedida da carne”, ou seja, o último dia em que o consumo era permitido antes do início do jejum quaresmal, exatamente na véspera da quarta-feira de cinzas. Já o Carnaval como o conhecemos hoje, com desfiles e fantasias, foi introduzido no século 19, inspirado no modelo europeu e somente depois foram incorporados os elementos africanos.
No nosso dia a dia, a festa carnavalesca representa um divisor de águas entre o período mais longo de férias e a retomada da vida cotidiana com todos os seus compromissos, como se, realmente, a partir de sua passagem, o ano fosse reiniciado. Do ponto de vista religioso, o Carnaval é uma festa de características pagãs que atualmente parece incentivar as paixões carnais e, de fato, desde o período medieval, funciona como sinalizador da chegada da Quaresma, período de 40 dias de recolhimento, com início na quarta-feira de cinzas e término na quinta-feira santa, quando somos convidados a tomar consciência e a refletir sobre nossos excessos e nos penitenciamos por meio da prática do jejum, da caridade e da oração mais intensa.
Esse esforço para recuperar o ritmo de verdadeiros fiéis que buscam viver como filhos de Deus nem sempre é fácil justamente porque muitos saem do Carnaval, festa invariavelmente comemorada com muita euforia, com o “pé no acelerador”. Além disso, o sentimento de liberdade extrema que toma conta das pessoas nesse período, não condiz com o princípio cristão segundo o qual nem tudo que é permitido pode ser considerado edificante.
Mas, e se em lugar de ressaltar as já tão conhecidas inconveniências do Carnaval, fizéssemos, aqui e agora, um esforço para apontar suas qualidades e, mais do que isso, aproveitá-las como estímulo para vivenciarmos a Quaresma de corpo e alma, com toda a nossa devoção?
Não se pode, nem se deve, fazer da vida um Carnaval, mas, certamente, estaríamos mais próximos de Deus se conseguíssemos:
- Olhar a natureza ou o sorriso de uma criança com o mesmo encanto que observamos o colorido dos adereços que enfeitam as alas das exuberantes escolas de samba;
- Conservar a mesma alegria e vivacidade, apesar das longas horas na concentração, e adentrar na “avenida da existência” dando um show de esperança e confiança na vitória em Deus;
- Ajudar os que sofrem perdas com a mesma solidariedade oferecida àqueles que tiveram seu trabalho de um ano consumido pelo incêndio que vitimou a Cidade do Samba, no Rio de Janeiro;
- Manter pulsando o mesmo coração sem preconceito, capaz de unir, lado a lado, pessoas de diferentes classes sociais, credos ou etnias, lutando para que exista justiça, paz e amor em toda a humanidade.
Se toda prática externa tem de refletir-se na vida interior, caso contrário, constitui-se meramente num rito, que o Carnaval possa ser, portanto, o início de uma conversão que não passará despercebida diante de Deus, no qual se viva não apenas com grande alegria e desenvoltura, como nos dias de festa, mas também com discernimento e serenidade.
Deus os abençoe,
Padre Reginaldo Manzotti