"Sou como um pai para ela. Ela é meu xodó", diz avô, cujo nome será preservado para não identificar criança suspeita de ter ateado fogo a apartamento em Patos de Minas (MG), no último sábado. Ele, de 70 anos, e a mulher de 52 tiveram que pular do quarto andar do prédio — cerca de 12 metros de altura — para escapar das chamas que começaram enquanto o casal dormia e que destruíram completamente o imóvel no condomínio. Saiu sem um arranhão, mas a esposa está internada para uma cirurgia nas pernas porque, ao saltar, quebrou dois dedos de um pé e o tornozelo. Evangélico, ele vê milagre em terem escapado com vida: "Arrisquei porque se ficasse morreríamos queimados".
Ele contou ao jornal O Globo que a menina começou a apresentar sinais de um comportamento que a família considerava fora do normal desde muito cedo. "Com um ano e meio, ela pegou cocô e saiu espalhando na própria roupa, na televisão, na cama. Isso não era normal", recorda-se. O avô lembra que, na época, a menina já usava o vaso sanitário.
— Depois, aos seis, sete anos, fugiu de casa e só foi encontrada na casa do padrinho cinco bairros daqui de casa. Ela oscila, às vezes tá muito calada, outras horas muito falante, às vezes triste, outras muita alegre. Ela toma medicação para controlar (os sintomas) desde muito pequena, mas não tem cura, infelizmente". Desde que tudo aconteceu, ele falou pouco com a neta.
As consequências do incidente foram desastrosas tanto do ponto de vista material quanto emocional, não só pela preocupação que cresceu sobre a menina, mas também que ele chama de "tribunal da internet". O avô diz que ele próprio não pode afirmar com certeza que foi a neta a responsável pelo incêndio que começou pelo sofá da sala. "Eu não vi, estava dormindo", diz. Assim como ele não viu, observa, que qualquer outra pessoa que responsabilize a criança está sendo precipitada porque também não presenciou a situação. "Na internet, tem 36 milhões de pessoas massacrando minha neta, e ninguém para ajudar", desabafa.
A neta, que diz ser seu xodó, é descrita por ele como uma menina muito inteligente e carinhosa. O estopim para o que aconteceu teria ocorrido uma semana antes da viagem. Adventistas do Sétimo Dia, eles se assustaram ao descobrir que a criança usava o celular para pesquisar sobre magia negra e bruxaria e trocar mensagens com um amigo sobre o tema. A avó deixava que a menina usasse o celular, desde que ela tivesse a senha, e foi assim que descobriu o acesso dela a conteúdo inadequados para a idade.
Nos primeiros dias da proibição de usar o celular, a criança parecia inconformada, mas logo, segundo o avô, foi se acalmando e aceitando a situação. As horas anteriores ao dia da volta da viagem, pouco antes do início do incêndio, são repassadas por ele e pela mulher incansavelmente. Hospitalizada, a esposa demonstra um alto grau de estresse pós-traumático e afirma que não conseguirá retornar para o antigo endereço, o apartamento comprado por meio de um financiamento.
A mulher, conta ele, estava preocupada porque imaginava que o fogo já tinha se alastrado pelo restante do imóvel e que a neta estaria morta. Antes de adormecer, ela tinha negado um pedido da menina que queria o celular da avó emprestado, que se recusou a dar o aparelho e a menina avisou que ia andar de patins no play. E se ela tivesse voltado e ficado presa nas chamas?, preocupavam-se. A preocupação virou pânico. Desesperado, o avô usou uma furadeira para tentar abrir a porta, mas o equipamento, ao ser forçado, entrou em curto-circuito. Depois, pegou um martelo numa bolsa de ferramentas que tinha dentro do quarto, mas também não conseguiu fazer buracos em volta da maçaneta para tentar abrir a porta. Abriu apenas um pequeno buraco, mas por ele o que entrou foi mais fumaça, tornando o ar irrespirável.
— Eu falei para a minha mulher, que estava muito nervosa com a netinha, não temos condição de ir lá fora. Ou nós pulamos ou morreremos asfixiados. É melhor a gente tentar pular. De qualquer maneira, vamos morrer. Minha nega, pelo menos, vamos morrer tentando — conta.
Da janela, ele via vizinhos, moradores do bairro e transeuntes se amontoando em frente ao prédio. Mas o casal ainda teria que vencer outro obstáculo antes de arriscar um salto: a janela tinha uma grade de proteção, que ele pôde cortar graças a um canivete que leva no bolso. Passado o susto, ele agradece em orações ao Espírito Santo e até os curiosos que pararam para olhar o que tinha tudo para acabar em tragédia:
Sobre a neta, ele disse que conversou com ela muito rapidamente depois do ocorrido, mas que não quis se aprofundar no assunto para não aumentar o sofrimento dela. "Eu só disse que ela não tem culpa de nada, falei: 'o vovô te perdoa'".
De acordo com o avô, a menina está sob acompanhamento de psicólogos e se calou sobre o episódio, nem confirma ter feito, nem nega. O Conselho Tutelar de Patos de Minas está acompanhando o caso e a Polícia Civil investiga o incêndio.