A 5ª Turma do Tribunal Regional Federal da 5ª Região (TRF5) condenou um casal por submeter uma empregada doméstica, de 79 anos, a condições análogas à escravidão durante cerca de quatro décadas em Fortaleza, no Ceará.
A decisão acolheu parecer do Ministério Público Federal (MPF), que apontou diversas irregularidades na relação de trabalho.
Negra e em situação de vulnerabilidade, a trabalhadora morava na casa da família em um quarto insalubre, onde dormia em uma rede ao lado de materiais de limpeza, máquina de lavar e uma gaiola de pássaros.
Ela cumpria jornadas de até 14 horas diárias, de domingo a domingo, sem salário, férias ou outros direitos trabalhistas. Parte de sua aposentadoria também era retida pelos patrões em conta bancária conjunta à qual não tinha acesso.
A situação foi descoberta em fiscalização realizada pela Polícia Federal, Ministério do Trabalho e Ministério Público do Trabalho em 2023. Apesar disso, os acusados haviam sido absolvidos pela 11ª Vara Federal do Ceará, sob o argumento de que havia uma relação de afeto entre eles e a vítima.
Representada por uma curadora, a doméstica recorreu ao TRF5. No processo, o Ministério Público Federal (MPF) destacou provas de exploração, como depoimentos de auditores fiscais, testemunhas e documentos anexados aos autos.
O órgão também apontou que a vítima apresentava sinais de desnutrição, ansiedade e depressão, reforçando as condições degradantes em que vivia.
Ao se manifestar, a procuradora regional da República Caroline Maciel lembrou que o Protocolo de Julgamento com Perspectiva Racial, do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), orienta magistrados a reconhecer que vínculos de afeto não afastam situações de exploração laboral.
“Não é assim que se trata alguém da família”, afirmou procuradora regional da República. Segundo o Ministério Público Federal, “o afeto, quando autêntico, deveria traduzir-se em cuidado e proteção, não em exploração continuada”.
O MPF reforçou que, mesmo em relações duradouras e afetivas, o cuidado e a proteção devem prevalecer sobre a exploração.
Com a decisão, os réus foram condenados pelo crime previsto no artigo 149 do Código Penal, que trata da redução à condição análoga à de escravo.