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Ceará registra mais de 1,3 mil mortes por intervenção policial em uma década

Dados revelam aumento alarmante de mortes resultantes de intervenções policiais ao longo dos anos, instigando discussões sobre reformas estruturais e políticas de segurança pública no Estado

Por: Fonte: Opinião
29/08/2023 às 11h10 Atualizada em 29/08/2023 às 11h13
Ceará registra mais de 1,3 mil mortes por intervenção policial em uma década
Foto: Reprodução

Nos últimos 10 anos, o cenário da violência policial no Ceará tem sido marcado por números alarmantes e uma tendência preocupante. Dados levantados pelo Comitê de Prevenção e Combate à Violência da Assembleia Legislativa do Ceará (Alece) com base nas estatísticas do Estado revelam um total de 1.328 mortes resultantes de intervenções policiais no Ceará entre 2013 (início da série histórica) e este ano. Somente em 2023, foram registradas 85 mortes. Mesmo representando uma redução de 6,6% em relação ao mesmo período do ano passado (91), os números mostram uma tendência crescente.

Os últimos quatro anos seguiram uma trajetória similar, marcada por 152 casos em 2022, 125 em 2021, 145 em 2020 e 148 em 2019. Ao olhar para os anos anteriores, conforme dados do Comitê da Alece, o padrão persiste: em 2018, foram contabilizadas 221 mortes; em 2017, 163; em 2016, 109; em 2015, 86; em 2014, 53; e, em 2013, 41. A maior parte das vítimas estão na faixa etária de 20 a 29 anos e 30 a 39 anos, e são do sexo masculino.

CONFIRA OS DADOS DOS ÚLTIMOS 10 ANOS

  • 2023: 85
  • 2022: 152
  • 2021: 125
  • 2020: 145
  • 2019: 148
  • 2018: 221
  • 2017: 163
  • 2016: 109
  • 2015: 86
  • 2014: 53
  • 2013: 41
  • Total em 10 anos: 1.328

As “Mortes Por Intervenção Policial (MIP)” é o termo criado para substituir a antiga “ocorrência de resistência seguida de morte ou auto de resistência”. A MIP se refere às ocorrências nos quais o policial, durante um conflito, leva o infrator em questão a óbito. Esses dados não são contabilizados como “Crimes Violentos Letais Intencionais (CVLIs)”.

Durante sessão plenária na Alece, na última quinta-feira, 24, o deputado estadual Renato Roseno (PSOL) levantou o tema das operações policiais que resultaram em mortes. “O elevado número de mortes resultantes de operações policiais não é um indicativo de sucesso, mas sim de fracasso, afetando tanto a população quanto os próprios agentes de segurança pública, que enfrentam riscos letais e sofrem com problemas de saúde mental”. Na visão do parlamentar, é necessário que o poder público reavalie o atual modelo de segurança e a maneira como as incursões policiais são conduzidas nas comunidades.

Roseno ressaltou que o paradigma de segurança pública atual é responsável por um elevado número de óbitos e não contribui para a redução dos índices de violência. Diante disso, ele enfatizou a necessidade de um modelo que se baseie em inteligência, prevenção, técnica e evidências científicas. O parlamentar relembrou que, recentemente, insistiu por uma agenda nacional de prevenção à violência, buscando uma abordagem mais eficaz e sensata diante do cenário de segurança pública no Brasil.

Entre os casos trágicos, Roseno mencionou a morte de Thiago Menezes, um adolescente de 13 anos atingido por um disparo de fuzil durante um tiroteio em uma comunidade do Rio de Janeiro, no último dia 7 de agosto. Roseno destacou ainda operações recentes realizadas em estados como São Paulo, Rio de Janeiro e Bahia, que culminaram em mais de 50 mortes, incluindo vítimas tão jovens como crianças e adolescentes. No Ceará, está ocorrendo o maior julgamento da história cearense.

Nesta terça-feira, 29, irão a júri popular mais oito policiais militares acusados dos assassinatos de 11 pessoas na Chacina do Curió. O caso ocorreu entre os dias 11 e 12 de novembro de 2015, na Grande Messejana, periferia de Fortaleza. No primeiro julgamento, em junho deste ano, quatro PMs foram condenados pelo cometimento de 11 homicídios qualificados consumados, três homicídios qualificados na forma tentada, três crimes de tortura física e um de tortura mental. As penas dos quatro réus somam 1.103 anos e 8 meses de prisão, com regime inicial de cumprimento fechado. Ao todo, o caso tem 30 réus.

Um terceiro julgamento, com outros oito acusados pelos crimes, está agendado para a primeira quinzena de setembro.

ESTRUTURA DA POLÍCIA

O professor de Sociologia e coordenador do Laboratório de Estudos da Violência (LEV) da Universidade Federal do Ceará (UFC), Luiz Fábio Paiva, em entrevista ao OPINIÃO CE, aponta que o problema da violência policial não consiste apenas na ação em si, mas em toda estrutura de orientação, planejamento e desenvolvimento da ação policial.

“No Brasil, a preocupação das instituições de segurança pública se concentra mais em formar uma autoridade do que, em diferentes áreas, profissionalizar pessoas para uma carreira policial focada em múltiplas especialidades, competências e respeito aos direitos humanos como princípios basilares da conduta de agentes de estado. Mesmo as instituições dispondo de rígidas estruturas hierárquicas, em todos os casos de violência policial, a estrutura institucional desaparece para tratamento isolado de cada evento, com a responsabilização precária dos agentes envolvidos”.

Luiz Paiva ressalta ainda a necessidade de discutir a responsabilidade política dos governos eleitos e responsáveis, em última instância, pelos comandos e controles sociais das forças policiais. “É inaceitável que, repetidamente, policiais resolvam exercer a força e possam fazê-lo sem resistência e responsabilização das cadeias de comando que, em tese, deveriam exercer um papel exemplar na justeza da conduta de quem, efetivamente, deveriam comandar”.

FORÇAS DE SEGURANÇA

Em nota ao OPINIÃO CE, a Secretaria da Segurança Pública e Defesa Social (SSPDS) do Ceará informou que todos os profissionais da segurança pública participam de disciplinas e formações, por meio da Academia Estadual de Segurança Pública (Aesp), relacionadas a protocolos humanizados para os atendimentos às ocorrências. Durante o ano de 2022, militares da Polícia Militar do Ceará (PMCE) participaram de uma formação sobre intervenções não letais.

O órgão informou ainda que seus profissionais são orientados a atuar, conforme as recomendações da Portaria Interministerial nº 4.226/2010, do Ministério da Justiça e da Secretaria de Direitos Humanos da Presidência da República, que trata da legalidade, necessidade, proporcionalidade, moderação e conveniência do “Uso Progressivo da Força”.

“Em 2023, de janeiro a julho, em comparativo com o mesmo período do ano passado, houve uma redução de 6,6% no número de mortes por intervenções policiais. Nos sete primeiros meses deste ano, aconteceram 85 casos, enquanto no mesmo intervalo de tempo de 2022, foram registradas 91 intervenções”, afirmou a SSPDS ao destacar os dados compilados pela Gerência de Estatística e Geoprocessamento (Geesp) da Superintendência de Pesquisa e Estratégia de