O Projeto Santa Quitéria, localizado no semiárido cearense, representa uma iniciativa significativa no setor de mineração, visando à extração conjunta de urânio e fosfato. Este empreendimento, fruto de uma parceria público-privada entre as Indústrias Nucleares do Brasil (INB) e a Galvani Fertilizantes, busca aproveitar a maior reserva de urânio do país, estimada em 79.319 toneladas, além de 8,9 milhões de toneladas de fosfato. Contudo, apesar do potencial econômico, o projeto suscita preocupações ambientais e socioeconômicas que exigem soluções eficazes para evitar possíveis danos irreversíveis.
A exploração de urânio e fosfato envolve riscos significativos de contaminação radioativa. A dispersão de poeira contendo urânio e a emissão de gás radônio podem comprometer a qualidade do ar, do solo e dos recursos hídricos, afetando a fauna e a flora locais. Além disso, o uso intensivo de água no processo de mineração pode agravar a escassez hídrica na região, colocando em risco a subsistência das comunidades que dependem desses recursos.
A biodiversidade local também está ameaçada. Espécies endêmicas e vulneráveis, como o cumaru (Amburana cearensis) e o mandacaru (Cereus jamacaru), correm risco de desaparecer devido à degradação do solo e da vegetação. O impacto sobre a fauna cavernícola, incluindo morcegos e invertebrados, pode comprometer o equilíbrio ecológico da região. A ausência de um estudo aprofundado sobre esses aspectos reforça a necessidade de um monitoramento ambiental rigoroso.
Embora o projeto prometa gerar empregos e impulsionar a economia local, há preocupações sobre a sustentabilidade desses benefícios. A mineração de urânio e fosfato pode enfraquecer outras atividades econômicas tradicionais, como a agricultura familiar, que depende da qualidade do solo e da água. Além disso, a possível contaminação ambiental pode desvalorizar produtos agrícolas da região, afetando negativamente os agricultores locais e tornando a população mais vulnerável economicamente.
Outro fator preocupante é a falta de um plano adequado para a gestão da água. O semiárido cearense já enfrenta dificuldades com escassez hídrica, e a extração mineral tende a agravar esse cenário. O uso excessivo da água pode afetar diversas comunidades dos distritos, como a do Areal, que depende dos rios locais para a agricultura e o consumo diário.
A região abriga comunidades indígenas, quilombolas e outros grupos tradicionais que possuem uma relação intrínseca com o território. No entanto, o Estudo de Impacto Ambiental (EIA) do projeto falha em reconhecer e avaliar devidamente os impactos sobre essas populações. A ausência de um estudo específico sobre os modos de vida dessas comunidades e a falta de consultas prévias e informadas contrariam a Convenção nº 169 da Organização Internacional do Trabalho (OIT), que assegura o direito à participação nos processos decisórios que afetem seus territórios e tradições.
A invisibilização desses grupos na documentação do projeto reflete um modelo de desenvolvimento que ignora direitos fundamentais e perpetua desigualdades. Sem a devida consulta e o respeito à autodeterminação das comunidades tradicionais, o projeto avança de forma autoritária, desconsiderando os impactos de longo prazo sobre culturas e modos de vida centenários.
Para evitar que o Projeto Santa Quitéria se torne um crime ambiental, é fundamental adotar medidas que garantam a sustentabilidade socioambiental:
O Projeto Santa Quitéria de Mineração de Urânio e Fosfato é uma proposta que carrega sérios riscos para o meio ambiente, para a saúde humana e para os modos de vida dos povos tradicionais da região. A falta de uma análise detalhada sobre os impactos sociais e ambientais, a omissão na consulta aos povos afetados e a negligência com a biodiversidade local são falhas críticas que não podem ser ignoradas.
É possível evitar que o Projeto Santa Quitéria resulte em um crime ambiental, desde que sejam adotadas medidas integradas que conciliem o desenvolvimento econômico com a preservação ambiental e o respeito aos direitos das comunidades locais. A implementação das soluções propostas requer compromisso e colaboração entre governo, empresas, sociedade civil e comunidades afetadas, visando a um modelo de desenvolvimento verdadeiramente sustentável.
A negligência e a pressa na aprovação de projetos desse porte podem gerar impactos irreversíveis. Mas ainda há tempo para evitar esse erro. O futuro das populações locais e da biodiversidade da região depende de decisões responsáveis no presente.
Clara Santos é escritora e acadêmica de Direito
Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do A Voz de Santa Quitéria.