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Estamos a tempo de evitar um crime ambiental: as possíveis soluções

Confira artigo de opinião de Clara Santos

Redação AVSQ
Por: Redação AVSQ
15/03/2025 às 11h24 Atualizada em 15/03/2025 às 11h34
Estamos a tempo de evitar um crime ambiental: as possíveis soluções
Foto: Fernando Martinho/Repórter Brasil

O Projeto Santa Quitéria, localizado no semiárido cearense, representa uma iniciativa significativa no setor de mineração, visando à extração conjunta de urânio e fosfato. Este empreendimento, fruto de uma parceria público-privada entre as Indústrias Nucleares do Brasil (INB) e a Galvani Fertilizantes, busca aproveitar a maior reserva de urânio do país, estimada em 79.319 toneladas, além de 8,9 milhões de toneladas de fosfato. Contudo, apesar do potencial econômico, o projeto suscita preocupações ambientais e socioeconômicas que exigem soluções eficazes para evitar possíveis danos irreversíveis.

A exploração de urânio e fosfato envolve riscos significativos de contaminação radioativa. A dispersão de poeira contendo urânio e a emissão de gás radônio podem comprometer a qualidade do ar, do solo e dos recursos hídricos, afetando a fauna e a flora locais. Além disso, o uso intensivo de água no processo de mineração pode agravar a escassez hídrica na região, colocando em risco a subsistência das comunidades que dependem desses recursos.

A biodiversidade local também está ameaçada. Espécies endêmicas e vulneráveis, como o cumaru (Amburana cearensis) e o mandacaru (Cereus jamacaru), correm risco de desaparecer devido à degradação do solo e da vegetação. O impacto sobre a fauna cavernícola, incluindo morcegos e invertebrados, pode comprometer o equilíbrio ecológico da região. A ausência de um estudo aprofundado sobre esses aspectos reforça a necessidade de um monitoramento ambiental rigoroso.

Embora o projeto prometa gerar empregos e impulsionar a economia local, há preocupações sobre a sustentabilidade desses benefícios. A mineração de urânio e fosfato pode enfraquecer outras atividades econômicas tradicionais, como a agricultura familiar, que depende da qualidade do solo e da água. Além disso, a possível contaminação ambiental pode desvalorizar produtos agrícolas da região, afetando negativamente os agricultores locais e tornando a população mais vulnerável economicamente.

Outro fator preocupante é a falta de um plano adequado para a gestão da água. O semiárido cearense já enfrenta dificuldades com escassez hídrica, e a extração mineral tende a agravar esse cenário. O uso excessivo da água pode afetar diversas comunidades dos distritos, como a do Areal, que depende dos rios locais para a agricultura e o consumo diário.

A região abriga comunidades indígenas, quilombolas e outros grupos tradicionais que possuem uma relação intrínseca com o território. No entanto, o Estudo de Impacto Ambiental (EIA) do projeto falha em reconhecer e avaliar devidamente os impactos sobre essas populações. A ausência de um estudo específico sobre os modos de vida dessas comunidades e a falta de consultas prévias e informadas contrariam a Convenção nº 169 da Organização Internacional do Trabalho (OIT), que assegura o direito à participação nos processos decisórios que afetem seus territórios e tradições.

A invisibilização desses grupos na documentação do projeto reflete um modelo de desenvolvimento que ignora direitos fundamentais e perpetua desigualdades. Sem a devida consulta e o respeito à autodeterminação das comunidades tradicionais, o projeto avança de forma autoritária, desconsiderando os impactos de longo prazo sobre culturas e modos de vida centenários.

Para evitar que o Projeto Santa Quitéria se torne um crime ambiental, é fundamental adotar medidas que garantam a sustentabilidade socioambiental:

  1. Consultas e participação comunitária: Implementar um processo de consulta livre, prévia e informada com as comunidades afetadas, assegurando sua participação ativa nas decisões relacionadas ao projeto.
  2. Estudos de Impacto Ambiental abrangentes: Revisar e aprofundar os estudos de impacto ambiental, incluindo avaliações específicas sobre a biodiversidade local, recursos hídricos e saúde pública, garantindo transparência e acesso público às informações.
  3. Programas de monitoramento contínuo: Estabelecer um Programa de Monitoração Radiológica Ambiental (PMRA) antes, durante e após a operação da mina. A introdução de espécies bioindicadoras, como anfíbios e pequenos mamíferos, pode oferecer dados importantes sobre os impactos a longo prazo, possibilitando uma ação preventiva contra contaminações radioativas.
  4. Planos de gestão hídrica sustentáveis: Desenvolver estratégias para o uso eficiente e sustentável da água, garantindo que a atividade mineradora não comprometa o abastecimento das comunidades locais e a integridade dos ecossistemas aquáticos.
  5. Diversificação econômica local: Promover políticas que incentivem a diversificação das atividades econômicas na região, reduzindo a dependência exclusiva da mineração e fortalecendo setores como a agricultura sustentável e o turismo ecológico.
  6. Fortalecimento da fiscalização e da legislação ambiental: Assegurar que órgãos ambientais, como o IBAMA, disponham de recursos e autonomia para fiscalizar rigorosamente o cumprimento das normas ambientais, aplicando sanções adequadas em casos de infrações.
  7. Transparência e acompanhamento social: Criar um comitê de monitoramento independente, formado por cientistas, ambientalistas e representantes das comunidades locais, para acompanhar as ações do projeto e garantir que as promessas de mitigação sejam cumpridas.
  8. Proteção da biodiversidade: Implementar um plano de recuperação ambiental que inclua a restauração de áreas degradadas, a criação de reservas ecológicas para a preservação da fauna e flora ameaçadas e o uso de técnicas sustentáveis na exploração dos recursos naturais.

O Projeto Santa Quitéria de Mineração de Urânio e Fosfato é uma proposta que carrega sérios riscos para o meio ambiente, para a saúde humana e para os modos de vida dos povos tradicionais da região. A falta de uma análise detalhada sobre os impactos sociais e ambientais, a omissão na consulta aos povos afetados e a negligência com a biodiversidade local são falhas críticas que não podem ser ignoradas.

É possível evitar que o Projeto Santa Quitéria resulte em um crime ambiental, desde que sejam adotadas medidas integradas que conciliem o desenvolvimento econômico com a preservação ambiental e o respeito aos direitos das comunidades locais. A implementação das soluções propostas requer compromisso e colaboração entre governo, empresas, sociedade civil e comunidades afetadas, visando a um modelo de desenvolvimento verdadeiramente sustentável.

A negligência e a pressa na aprovação de projetos desse porte podem gerar impactos irreversíveis. Mas ainda há tempo para evitar esse erro. O futuro das populações locais e da biodiversidade da região depende de decisões responsáveis no presente.

Clara Santos é escritora e acadêmica de Direito

 

Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do A Voz de Santa Quitéria.