Li todos os tipos de comentários, desde o “onde está o prefeito nessa hora”, “a culpa é dos vereadores”, “cadê o ronda do quarteirão”, “tem que reduzir a maioridade penal”, “bandido bom é bandido morto”, e enfim, tudo quanto o senso comum e a obviedade permite, mas nenhum comentário questionou a causa de tanta violência em Santa Quitéria. Nenhum comentário foi reflexivo e crítico de ir além de um assassinato no bairro Cinzas, Pereiros ou Flores.
Estranho é lembrarmo-nos da juventude apenas quando ela comete um crime, e esquecermos que nesse momento ela está pelas ruas, a mercê de toda violência social e psicológica. Basta sairmos do conforto de nossas casas, e fazermos um passeio pelas ruas dos nossos bairros que nos deparamos com o ócio. A falta de uma política para a juventude legitima o genocídio da sociedade.
Santa Quitéria, segundo o Censo do IBGE 2010, 23.617 pessoas de 10 anos ou mais de idade, não tem instrução e apenas o fundamental incompleto, ou seja, mais de 50% da nossa gente não conseguem ler, escrever e calcular plenamente.
Esse número inclui os outros 27,44% considerados analfabetos absolutos, sem qualquer habilidade de leitura ou escrita. Apenas 1 a 3 quiterienses consegue ler, escrever e utilizar essas habilidades para continuar aprendendo.
Santa Quitéria detém um quadro de desigualdade social aterrador, conferindo pelo IBGE/IPECE, que divulgou estudo do ano passado informa que, aqui, os 18% mais ricos concentram 20 vezes mais renda do que os 20% mais pobres. Ou seja, pessoas de 10 anos ou mais de idade com classes de rendimento nominal mensal de menos de 1 salário e meio a sem rendimento, são 68% da população quiteriense.
E ainda, segundo o IBGE, o número de empregos formais em 2012, para Santa Quitéria com uma população aproximada de 42 mil habitantes, é de 2.306 empregados.
Educação beirando a barbárie, índice de emprego informal atingindo 90%, e uma juventude sem espaço de lazer, cultura, esporte e sem oportunidade, ficando às escuras, a mercê da própria individualidade e da auto-organização em guetos. Essa é a verdadeira e principal causa da criminalidade em Santa Quitéria. Não está na falta de policias, mas na disparidade entre ricos e pobres num mesmo lugar.
Cresce a desigualdade e cresce a violência. Quanto maior a desigualdade social, maior a violência. Outros fatores, como racismo, alcoolismo, drogas, facilidade de comprar armas e o baixo índice de escolaridade também pesam e agravam o problema.
Mas o fato é que as cidades mais violentas do planeta têm como característica comum a desigualdade acentuada entre ricos e pobres. E em Santa Quitéria o contexto é o mesmo.
Santa Quitéria está dividida não entre Pereiros, Cinzas e Flores, mas dividida por jovens brancos, bem vestidos, com um bom nível de escolaridade e trabalhando com carteira assinada. E de outro, jovens negros, maltrapilhos, analfabetos e trabalhando na informalidade ou na ilegalidade.
Romper com a pobreza, com o analfabetismo, romper com discriminação, melhorar as escolas e o sistema de saúde, oferecer uma política de cultura e de juventude, reformular a política carcerária, me parece ser uma ação mais sensata e efetiva, do que esperar que a redução da maioridade penal, o aumento de policiais, viaturas, armamentos, manifestações e nem menos a repressão irão dá um fim a violência que infelizmente amedronta Santa Quitéria.
Nacélio Rodrigues é estudante universitário, militante socialista e técnico bancário da Caixa Econômica Federal.
